Tópico 01543
Estudo feito por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) revela que, se um fragmento de Mata Atlântica de aproximadamente um hectare tiver 25% de sua área desmatada, a temperatura local aumenta 1º C. Se todo o pequeno remanescente for desflorestado, portanto, o impacto na temperatura máxima local pode chegar a 4º C. Os dados foram divulgados na revista PLOS ONE.
“Conseguimos detectar efeitos climáticos de aquecimento causado pelo desmatamento de florestas nessa escala de fragmentos da Mata Atlântica, muito comuns no Sudeste do país”, disse à Agência FAPESP Humberto Ribeiro da Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e coordenador do trabalho.
A investigação foi conduzida no âmbito de dois projetos: um vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e outro ligado ao Programa BIOTA-FAPESP.
De acordo com Rocha, já havia evidências científicas de que o desmatamento de florestas tropicais promove o aquecimento do ar em escala local, mas baseadas em medidas de grandes áreas desmatadas, obtidas principalmente de estudos feitos na Amazônia.
“Não havia uma informação detalhada sobre o efeito do desmatamento em pequenos fragmentos, nem estudos que levassem em conta diferentes níveis de antropização [mudanças por ação humana]”, disse Rocha, membro da coordenação do PFPMCG.
A fim de suprir essa lacuna, os pesquisadores analisaram a relação entre o grau de desmatamento e o aquecimento da temperatura local em remanescentes da Mata Atlântica situados na Serra do Mar, no litoral norte de São Paulo, por meio de estimativas da temperatura da superfície terrestre (LST, na sigla em inglês).
Essas estimativas da temperatura superficial são feitas a partir de dados de emissão de fluxos de calor (térmicos) em todo o globo, registrados continuamente por sensores ópticos no infravermelho, como os acoplados aos satélites do Programa Landsat, da agência espacial americana, a Nasa.
Com base nesses dados, foi calculada uma média anual de temperatura superficial de dezenas de milhares de amostras de áreas da Mata Atlântica com aproximadamente um hectare e com cobertura florestal variável do nível total até o desmatamento integral. Os fragmentos florestais também apresentavam diferentes graus de antropização, com variação de 1%.
Os cálculos, feitos durante o doutorado da pesquisadora Raianny Leite do Nascimento Wanderley, sob orientação de Rocha, indicaram que as áreas com menor cobertura florestal apresentam temperaturas mais altas. Cada aumento de 25% na retirada da cobertura vegetal nativa resultou no aquecimento de 1º C na temperatura local, chegando a 4º C no caso de desmatamento total.
“Esse padrão detectado é interpretado como uma caracterização de impacto da perda de cobertura florestal no microclima do ambiente”, disse Rocha.
Impactos na floresta
Segundo os pesquisadores, os fragmentos de Mata Atlântica abrangidos pelo estudo, situados em maior altitude, têm proporcionalmente maior quantidade de carbono estocado no solo em comparação com áreas da Amazônia. Dessa forma, o desmatamento dessas áreas pode comprometer o balanço de carbono da floresta.
“A Mata Atlântica, que hoje está em equilíbrio ou talvez esteja marginalmente absorvendo carbono da atmosfera, pode passar a ser uma fonte emissora”, ponderou Carlos Joly, professor da Unicamp e um dos autores do estudo.
O aumento da temperatura nesses fragmentos de floresta afeta mais a respiração do que a fotossíntese das plantas. Esse efeito também contribui para a liberação de maiores quantidades de carbono da floresta para a atmosfera, afirmou Joly, que é membro da coordenação do BIOTA-FAPESP.
“A combinação desses dois processos cria uma sinergia maléfica para aumentar as emissões de carbono da floresta para a atmosfera”, acrescentou.
De acordo com Joly, ainda não se sabe se os efeitos do aumento da temperatura nos fragmentos de Mata Atlântica em razão do desmatamento são iguais em todas as espécies de árvores.
Normalmente, são as espécies pioneiras – que sobrevivem em condições desfavoráveis devido à alta capacidade reprodutiva – que apresentam maior capacidade de resistir a mudanças de temperatura, explicou o pesquisador.
“Ainda não temos condições de prever em quanto tempo, mas no longo prazo certamente o aumento da temperatura em fragmentos de Mata Atlântica causado pelo desmatamento pode influenciar, de forma diferenciada, a sobrevivência de espécies de árvores na floresta”, disse.
“Pode ser que ocorra uma diminuição de espécies típicas de uma floresta madura e aumente a proporção de espécies de maior plasticidade, que, em geral, são as pioneiras ou secundárias iniciais”, afirmou.
Funções comprometidas
Considerada uma das florestas mais ricas e ameaçadas do planeta, a Mata Atlântica ocupa hoje 15% do território brasileiro, em região que abrange 72% da população do país. Dados recentes do Atlas da Mata Atlântica indicam que foram perdidos 113 quilômetros quadrados (km2) do bioma entre 2017 e 2018. O monitoramento é feito de forma contínua pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Além dos impactos na biodiversidade, o desmatamento, ainda que em escala pequena, compromete importantes serviços ecossistêmicos prestados pela Mata Atlântica, entre eles a regulação térmica, ressaltam os autores.
“A floresta é importantíssima para manter as temperaturas mais amenas em escalas local e regional. A mudança em seu funcionamento pode comprometer essa função”, disse Joly.
O abastecimento de água também pode ser impactado. A Mata Atlântica abriga sete das nove maiores bacias hidrográficas do país, que são as cabeceiras de rios que abastecem reservatórios responsáveis por quase 60% da produção da energia hidrelétrica e fornecem água para 130 milhões de habitantes do país.
“A Mata Atlântica não produz água, mas protege as nascentes e permite o armazenamento nos reservatórios para consumo, geração de energia, irrigação agrícola e pesca, entre outras atividades”, apontou Joly.
Por estar situada em áreas extremamente íngremes, como as encostas, a floresta ajuda a evitar deslizamentos de terra, muito comuns em períodos de chuvas intensas.
“A remoção ou a mudança no funcionamento desses fragmentos de floresta pode diminuir muito essa proteção”, afirmou Joly.
Segundo o pesquisador, o Estado é o maior indutor do desmatamento na Mata Atlântica, hoje reduzida a 12,4% da área original, em razão da construção de obras de infraestrutura, como rodovias e gasodutos. O bioma também tem sofrido com a expansão urbana, que envolve a construção de favelas e de condomínios de alto padrão.
Por ser um dos biomas mais ameaçados na América do Sul, a Mata Atlântica tem sido foco nos últimos anos de um grande número de estudos voltados à restauração, feitos, em grande parte, por pesquisadores vinculados ao programa BIOTA-FAPESP, ressaltou Joly.
A maior iniciativa de restauração do bioma é coordenada pelo Pacto da Mata Atlântica – movimento surgido na sociedade civil voltado a restaurar e conservar a floresta.
“Existe hoje expressivo conhecimento acumulado sobre restauração da Mata Atlântica. É lógico que não será possível recuperar tudo o que foi perdido, mas ao menos parte das funções da floresta podemos restaurar”, avaliou Joly.
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“Conseguimos detectar efeitos climáticos de aquecimento causado pelo desmatamento de florestas nessa escala de fragmentos da Mata Atlântica, muito comuns no Sudeste do país”, disse à Agência FAPESP Humberto Ribeiro da Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e coordenador do trabalho.
A investigação foi conduzida no âmbito de dois projetos: um vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e outro ligado ao Programa BIOTA-FAPESP.
De acordo com Rocha, já havia evidências científicas de que o desmatamento de florestas tropicais promove o aquecimento do ar em escala local, mas baseadas em medidas de grandes áreas desmatadas, obtidas principalmente de estudos feitos na Amazônia.
“Não havia uma informação detalhada sobre o efeito do desmatamento em pequenos fragmentos, nem estudos que levassem em conta diferentes níveis de antropização [mudanças por ação humana]”, disse Rocha, membro da coordenação do PFPMCG.
A fim de suprir essa lacuna, os pesquisadores analisaram a relação entre o grau de desmatamento e o aquecimento da temperatura local em remanescentes da Mata Atlântica situados na Serra do Mar, no litoral norte de São Paulo, por meio de estimativas da temperatura da superfície terrestre (LST, na sigla em inglês).
Essas estimativas da temperatura superficial são feitas a partir de dados de emissão de fluxos de calor (térmicos) em todo o globo, registrados continuamente por sensores ópticos no infravermelho, como os acoplados aos satélites do Programa Landsat, da agência espacial americana, a Nasa.
Com base nesses dados, foi calculada uma média anual de temperatura superficial de dezenas de milhares de amostras de áreas da Mata Atlântica com aproximadamente um hectare e com cobertura florestal variável do nível total até o desmatamento integral. Os fragmentos florestais também apresentavam diferentes graus de antropização, com variação de 1%.
Os cálculos, feitos durante o doutorado da pesquisadora Raianny Leite do Nascimento Wanderley, sob orientação de Rocha, indicaram que as áreas com menor cobertura florestal apresentam temperaturas mais altas. Cada aumento de 25% na retirada da cobertura vegetal nativa resultou no aquecimento de 1º C na temperatura local, chegando a 4º C no caso de desmatamento total.
“Esse padrão detectado é interpretado como uma caracterização de impacto da perda de cobertura florestal no microclima do ambiente”, disse Rocha.
Impactos na floresta
Segundo os pesquisadores, os fragmentos de Mata Atlântica abrangidos pelo estudo, situados em maior altitude, têm proporcionalmente maior quantidade de carbono estocado no solo em comparação com áreas da Amazônia. Dessa forma, o desmatamento dessas áreas pode comprometer o balanço de carbono da floresta.
“A Mata Atlântica, que hoje está em equilíbrio ou talvez esteja marginalmente absorvendo carbono da atmosfera, pode passar a ser uma fonte emissora”, ponderou Carlos Joly, professor da Unicamp e um dos autores do estudo.
O aumento da temperatura nesses fragmentos de floresta afeta mais a respiração do que a fotossíntese das plantas. Esse efeito também contribui para a liberação de maiores quantidades de carbono da floresta para a atmosfera, afirmou Joly, que é membro da coordenação do BIOTA-FAPESP.
“A combinação desses dois processos cria uma sinergia maléfica para aumentar as emissões de carbono da floresta para a atmosfera”, acrescentou.
De acordo com Joly, ainda não se sabe se os efeitos do aumento da temperatura nos fragmentos de Mata Atlântica em razão do desmatamento são iguais em todas as espécies de árvores.
Normalmente, são as espécies pioneiras – que sobrevivem em condições desfavoráveis devido à alta capacidade reprodutiva – que apresentam maior capacidade de resistir a mudanças de temperatura, explicou o pesquisador.
“Ainda não temos condições de prever em quanto tempo, mas no longo prazo certamente o aumento da temperatura em fragmentos de Mata Atlântica causado pelo desmatamento pode influenciar, de forma diferenciada, a sobrevivência de espécies de árvores na floresta”, disse.
“Pode ser que ocorra uma diminuição de espécies típicas de uma floresta madura e aumente a proporção de espécies de maior plasticidade, que, em geral, são as pioneiras ou secundárias iniciais”, afirmou.
Funções comprometidas
Considerada uma das florestas mais ricas e ameaçadas do planeta, a Mata Atlântica ocupa hoje 15% do território brasileiro, em região que abrange 72% da população do país. Dados recentes do Atlas da Mata Atlântica indicam que foram perdidos 113 quilômetros quadrados (km2) do bioma entre 2017 e 2018. O monitoramento é feito de forma contínua pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Além dos impactos na biodiversidade, o desmatamento, ainda que em escala pequena, compromete importantes serviços ecossistêmicos prestados pela Mata Atlântica, entre eles a regulação térmica, ressaltam os autores.
“A floresta é importantíssima para manter as temperaturas mais amenas em escalas local e regional. A mudança em seu funcionamento pode comprometer essa função”, disse Joly.
O abastecimento de água também pode ser impactado. A Mata Atlântica abriga sete das nove maiores bacias hidrográficas do país, que são as cabeceiras de rios que abastecem reservatórios responsáveis por quase 60% da produção da energia hidrelétrica e fornecem água para 130 milhões de habitantes do país.
“A Mata Atlântica não produz água, mas protege as nascentes e permite o armazenamento nos reservatórios para consumo, geração de energia, irrigação agrícola e pesca, entre outras atividades”, apontou Joly.
Por estar situada em áreas extremamente íngremes, como as encostas, a floresta ajuda a evitar deslizamentos de terra, muito comuns em períodos de chuvas intensas.
“A remoção ou a mudança no funcionamento desses fragmentos de floresta pode diminuir muito essa proteção”, afirmou Joly.
Segundo o pesquisador, o Estado é o maior indutor do desmatamento na Mata Atlântica, hoje reduzida a 12,4% da área original, em razão da construção de obras de infraestrutura, como rodovias e gasodutos. O bioma também tem sofrido com a expansão urbana, que envolve a construção de favelas e de condomínios de alto padrão.
Por ser um dos biomas mais ameaçados na América do Sul, a Mata Atlântica tem sido foco nos últimos anos de um grande número de estudos voltados à restauração, feitos, em grande parte, por pesquisadores vinculados ao programa BIOTA-FAPESP, ressaltou Joly.
A maior iniciativa de restauração do bioma é coordenada pelo Pacto da Mata Atlântica – movimento surgido na sociedade civil voltado a restaurar e conservar a floresta.
“Existe hoje expressivo conhecimento acumulado sobre restauração da Mata Atlântica. É lógico que não será possível recuperar tudo o que foi perdido, mas ao menos parte das funções da floresta podemos restaurar”, avaliou Joly.
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