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Ao comparar a variedade de soja transgênica mais cultivada no Brasil com um equivalente natural, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) observaram que as sementes geneticamente modificadas apresentam teores mais elevados e mais biodisponíveis dos micronutrientes cobre e ferro.
As análises também indicaram diferença na concentração de proteínas e nos níveis de enzimas antioxidantes, como catalase, superóxido dismutase, ascorbato peroxidase e glutationa redutase. Os resultados foram apresentados em dezembro, na sede da FAPESP, durante o Workshop on Interdisciplinary Plant Science.
“Os dados sugerem que a transgenia induz na planta um estado de estresse oxidativo. Ela então passa a produzir mais enzimas antioxidantes na tentativa de encontrar um novo equilíbrio e isso parece acelerar todo o seu metabolismo”, contou Marco Aurelio Zezzi Arruda, professor do Instituto de Química da Unicamp, coordenador do estudo apoiado pela FAPESP e pesquisador do projeto temático "Estresse oxidativo induzido por metais: novas abordagens", coordenado por Ricardo Antunes de Azevedo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
Zezzi ressalta que os impactos dessas alterações para o ambiente e para a saúde de quem se alimenta da soja transgênica não foram objeto da pesquisa e ainda precisam ser mais bem estudados. Mas, no que se refere ao desenvolvimento da planta, o estresse oxidativo e a cascata de efeitos bioquímicos que ele desencadeia parecem ser benéficos.
“A soja transgênica tem uma taxa de sucesso mais alta na germinação, desenvolve maior teor de matéria orgânica e cresce mais rapidamente. A planta responde de forma mais exacerbada a qualquer estímulo externo que é dado, como elevação na temperatura ou na quantidade de água. Se há alguma resposta negativa também aumentada, ainda não sabemos”, afirmou Zezzi.
Os pesquisadores compararam sementes do cultivar natural MSOY 7501 com a variedade geneticamente modificada MSOY 7575 RR, conhecida como Roundup Ready (RR) e desenvolvida pela Monsanto em meados dos anos 1980.
Essa variedade transgênica foi liberada para o cultivo pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1994. No Brasil, a liberação ocorreu em 2003 e, atualmente, ela corresponde a mais de 90% dos grãos produzidos no país.
A modificação genética envolvida no presente estudo teve o objetivo de tornar a planta resistente a herbicidas à base de glifosato – os mais vendidos em todo o mundo por serem de fácil manejo e oferecerem vantagens econômicas ao produtor. Para isso, foi inserido no DNA original o gene cp4EPSPS, extraído de uma agrobactéria.
Na soja natural, o glifosato bloqueia a produção da enzima EPSPS e, com isso, bloqueia toda a produção de aminoácidos aromáticos, como a fenilalanina, a tirosina e o triptofano – essenciais à sobrevivência da planta. Por meio da transgenia, a soja passa a produzir uma enzima ligeiramente modificada sobre a qual o glifosato não tem efeito.
“De alguma forma que ainda precisa ser esclarecida, a inserção do gene altera mecanismos bioquímicos secundários relacionados à produção de aminoácidos aromáticos e isso induz uma maior produção de espécies reativas de oxigênio, como radical superóxido, peróxido de hidrogênio, radical hidroxila e oxigênio singlete. Quando há excesso dessas substâncias, ocorre o que chamamos de estresse oxidativo. A planta então passa a produzir em maior quantidade enzimas antioxidantes”, explicou Zezzi.
As análises por espectrofotometria (que permitem identificar substâncias pela absorção ou transmissão de luz) mostraram que nas sementes transgênicas os níveis de enzimas antioxidantes chegaram a ser até 35% maior em comparação à variedade natural. Ao analisar as folhas da planta transgênica, a diferença chegou a 70%.
Também no caso da análise proteômica – cujo objetivo é identificar todo o conjunto de proteínas da planta – a diferença foi bem maior nas folhas após o cultivo do que nas sementes.
Ao todo, o grupo identificou dezenas de proteínas diferentes nas sementes ou folhas das duas variedades de soja. Com auxílio de um software específico, os cientistas buscaram as chamadas “proteínas diferenciais”, cuja abundância diferia em pelo menos 90% para mais ou para menos de uma variedade para outra.
“Ao comparar as sementes, encontramos apenas quatro proteínas diferenciais. Depois que cultivamos essas sementes e analisamos as folhas, o número saltou para 77. O estresse oxidativo também foi maior nas folhas após o cultivo do que nas sementes. Agora, pretendemos estudar as próximas gerações da planta para ver se essa escalada de alterações bioquímicas continua crescendo e, em algum momento, torna-se prejudicial à planta ou se ela se interrompe”, disse Zezzi.
De acordo com o pesquisador, parte das proteínas diferenciais encontradas na folhas está relacionada ao fotossistema II – um dos complexos proteicos envolvidos no processo de fotossíntese.
“A atividade das reações envolvidas no fotossistema II, assim como tudo na planta transgênica, parece estar aumentada. A maneira de captar a luz solar está alterada, mas ainda não temos dados suficientes para concluir se isso é bom ou ruim”, contou Zezzi.
O metabolismo acelerado também faz com que a planta capte maior quantidade de nutrientes do solo. As análises nutricionais indicaram que as sementes transgênicas tinham 39% mais cobalto, 40% mais cobre e 20% mais ferro do que as sementes naturais. A variedade natural ganhou apenas no nível de estrôncio, 34% maior que o da transgênica.
“Simulamos em laboratório, com auxílio de reagentes químicos, um processo de digestão gástrica e outro de digestão intestinal e verificamos que esses micronutrientes estão mais biodisponíveis na soja transgênica. Na variedade natural esses metais costumam estar ligados a diferentes compostos, o que torna sua absorção mais difícil”, explicou Zezzi.
De acordo com o pesquisador, todas as análises foram feitas com plantas cultivadas nas mesmas condições de solo, temperatura e irrigação. “Não posso afirmar que todas as diferenças verificadas sejam resultado da transgenia, mas acredito que boa parte delas é”, avaliou Zezzi.
Os resultados obtidos nas análises enzimáticas e proteômicas foram divulgados em artigo publicado na revista Analytical and Bioanalytical Chemistry e em artigos publicados no Journal of Proteomics em 2010 e em 2013.
Os resultados relativos à concentração de metais nas sementes foram divulgados em artigos na revista Metallomics e no Journal of Analytical Atomic Spectrometry.
O projeto “Estudos metalômicos aplicados a espécies geneticamente modificadas de soja [Glycine max (L.) Merrill] e Arabidopsis thaliana” teve início em abril de 2013 e segue até março de 2015.
Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Tópico elaborado pelo Gestor Ambiental Marcelo GiL.
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