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quarta-feira, 28 de maio de 2014

PESQUISA: Análise de troncos de árvores ajuda a entender as mudanças ambientais


Imagem meramente ilustrativa



Pesquisa Fapesp

Com uma motosserra, o botânico Gregório Ceccantini, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), corta o tronco de uma peroba-rosa morta e observa o disco de madeira que obtém. Além desses discos, ele e sua equipe também retiram amostras dos troncos de diversas espécies de árvores tropicais vivas.

Pegamos as árvores vivas, contamos os anéis ano a ano, depois aplicamos a matemática para conseguir identificar qual é o ano do calendário correto. Uma vez que tivermos o ano do calendário e a sequência de padrões de anéis, emendamos aqueles anos (das árvores vivas) com os anos das árvores mortas. E assim podemos chegar a 200, 300 anos atrás”, explica Ceccantini.

Os pesquisadores acreditam que as informações sobre o clima, como aspectos relacionados à atmosfera e à composição da chuva, estão registradas nas árvores. Essa metodologia visa recuperar essas informações para tentar compreender tanto a velocidade quanto a intensidade das mudanças ambientais nas nossas florestas ao longo dos últimos séculos.


Os círculos do tempo

Ciência também se faz com músculos e suor. Com uma calça verde recém-colocada sobre a que já vestia, luvas grossas, capacete vermelho com uma tela sobre o rosto e protetores de ouvido, o botânico Gregório Ceccantini liga a motosserra, mais uma vez, no meio da tarde de 12 de setembro. O cheiro de gasolina do motor se espalha pelo ar seco da Estação Ecológica dos Caetetus, uma reserva de mata atlântica no município de Gália, região central do estado de São Paulo.

A lâmina espalha serragem à medida que corta o tronco de uma árvore morta que se alonga em meio às que permanecem distintamente em pé. Depois de serrar o tronco até o fim, o professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) desliga a motosserra e a põe sobre o chão coberto de folhas secas, tira o capacete e puxa o primeiro disco de madeira da peroba-rosa.

“Vejam que lindo”, ele diz, agachando-se e colocando o disco de madeira avermelhado sobre uma das pernas para mostrar os anéis concêntricos, de largura variável, que indicam a velocidade de crescimento anual das árvores: quanto mais largo, mais a árvore cresceu naquele ano, em resposta ao suprimento de água e nutrientes. Ceccantini, em colaboração com Dieter Anhuf, da Universidade de Passau, sul da Alemanha, tem examinado os anéis para ver as respostas de árvores de várias espécies do Norte e do Sudeste do Brasil às variações de umidade e temperatura, à duração das estações secas e chuvosas – enfim, às mudanças do clima – nos últimos séculos.

Com árvores de Minas Gerais, a equipe da USP conseguiu detectar as variações locais do clima desde 1940, complementando os estudos de reconstituição climática em uma escala de tempo maior, da ordem de milhares de anos, feitos por meio de pólen e de minerais de cavernas. Essa abordagem tem indicado que, em algumas espécies de árvores, a elevação dos níveis de gás carbônico (CO2) na atmosfera, como a prevista para as próximas décadas, pode não ser o bastante para acelerar o crescimento, porque a elevação da temperatura, também prevista, pode favorecer a perda de água e conter o crescimento dos tecidos vegetais.

Os anéis mais internos do disco recém-cortado da peroba-rosa são finos. A provável razão, explica Ceccantini, é que no início a árvore devia crescer timidamente à sombra de outras. Os anéis vizinhos são mais largos e sugerem que a peroba tinha chegado ao dossel, absorvia mais luz e crescia de modo acelerado. Os anéis mais próximos da casca são, outra vez, finos, sinal de que o ritmo de crescimento vinha reduzindo, ou porque a árvore já definhava antes de cair ou porque outras tinham chegado ao alto da floresta e a competição por luz se intensificara.

Em seguida, Ceccantini coloca sobre o tronco cortado a fatia de madeira pesando de 20 a 30 quilos, raspa a superfície do disco com um estilete e conta os anéis com uma lupa. “Numa contagem grosseira”, ele estima, “esta árvore tem de 180 a 200 anos”. A bióloga Paula Jardim estica uma trena ao longo do tronco e conclui que a árvore de 23 metros da base até o início da copa deve ter morrido em pé e depois caído, há um ou dois anos. Ceccantini toma fôlego, recoloca o equipamento e recomeça a fatiar a peroba caída gerando muito barulho e serragem vermelha.

Com as árvores vivas o trabalho é mais delicado. A poucos metros de distância, escondido pelas trepadeiras que formam uma teia de galhos entre as árvores, o geógrafo alemão Stefan Krottenthaler faz uma espécie de biópsia, perfurando o tronco de uma árvore com um tubo de metal preso a uma furadeira à gasolina. A furadeira vai e volta sobre um trilho de alumínio que ele mesmo projetou e construiu, sustentado por dois pés e por um cinturão amarrado ao tronco. Ele tem de fazer força para empurrar a furadeira e fazer o tubo penetrar a madeira dura. Stefan morou dois anos e meio no Brasil, incluindo seis meses entre os índios xavantes de Mato Grosso, e faz o doutorado na Universidade Passau.

Após um bom tempo, Stefan afasta a furadeira, solta o tubo e, de dentro, retira um cilindro de 20 centímetros de comprimento com sucessivas camadas em tons de rosa, correspondentes aos anéis de crescimento da árvore. Seu colega Hans Broschek, pela primeira vez no Brasil, guarda o cilindro de madeira em uma maleta de couro enquanto Stefan faz o equivalente a um curativo na árvore, borrifando um fungicida no buraco que fez e fechando-o com uma rolha de cortiça. Duas semanas antes eles estavam em outra reserva de mata atlântica, o Parque Estadual Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro, a 250 quilômetros da capital, e suaram muito mais para colher uma amostra de um jequitibá-rosa de 40 metros de altura e 3 metros de diâmetro.

Nas semanas seguintes, a equipe de Ceccantini preparou e examinou todo esse material em um galpão da USP que parece uma marcenaria, ao lado de lagos com plantas de flores brancas e estufas de plantas. Os discos de madeira são aplainados, lixados até ficarem brilhantes e cortados. Depois são analisados sob um equipamento que determina a distância entre os anéis, que por sua vez indica a taxa anual de crescimento e a idade de cada árvore.

Feita a cronologia, de 5 a 10 amostras de cada espécie e de cada lugar seguirão para Potsdam, onde a equipe da USP e a de Dieter Anhuf e Gerd Helle vão determinar os teores de dois isótopos (formas) estáveis de oxigênio, o oxigênio 16 e o 18, e de carbono, o carbono 12 e o 18, da celulose da madeira. “Até o momento, os estudos que avaliam os anéis de crescimento das árvores foram realizados principalmente em regiões de elevada altitude e em florestas nórdicas”, conta Anhuf. “As pesquisas em regiões tropicais e subtropicais ainda são raras”.

A proporção entre os isótopos indicará os efeitos da chuva e da temperatura sobre o crescimento das árvores e até a origem e a direção da chuva que chegou a elas. Deixando de lado os detalhes técnicos, o raciocínio é simples: como o oxigênio 18 é mais pesado e precipita mais facilmente que o 16, a água que o contém em maior concentração deve ter vindo de uma região próxima, como o Sul do país ou o Atlântico Sul, enquanto a água com mais oxigênio 16 deve ter vindo de regiões mais distantes, como a Amazônia.

“O interior de São Paulo representa uma situação de transição”, diz Stefan, “porque está sujeito à influência de massas de ar do norte e do sul. Como é esse jogo?” Ele espera que a proporção entre os isótopos revele qual massa de ar predominava sobre a outra nas estações chuvosas e secas, ao longo dos anos.

Depois, “por meio de uma matemática muito sofisticada”, diz Ceccantini, os pesquisadores esperam converter as informações sobre a sequência dos anéis e a proporção entre os isótopos em gráficos que indiquem como a variação do clima e a circulação da umidade na atmosfera – os chamados rios voadores – influenciaram o crescimento das árvores da mesma espécie em lugares diferentes ou de espécies diferentes no mesmo lugar ao longo dos últimos séculos.

É trabalhoso, lento e difícil. A boa notícia é que essa abordagem já está dando certo, ao indicar as reduções no crescimento das árvores em resposta à redução da precipitação e à elevação da temperatura. Em 2010, com base no mesmo tipo de análise, Roel Brienen, da Universidade de Leeds, Inglaterra, e outros especialistas do México e da Holanda analisaram os anéis de uma espécie de árvore do sul do México, Mimosa acantholoba, e concluíram que o crescimento, ao menos dessa espécie, pode diminuir em até 37% nos anos de El Niño, o aquecimento das águas do Pacífico equatorial, uma possível causa de estiagens na América do Sul. Além disso, usando modelos matemáticos de simulação climática, eles estimaram uma redução de até 20% na taxa de crescimento dessa espécie, no cenário de maior emissão de gás carbônico na atmosfera, como previsto para as próximas décadas.

Em Minas Gerais, as variações no ritmo de crescimento dos jatobás é que estão revelando as oscilações da chuva e da temperatura desde 1940 (ver gráfico acima). Durante dois anos, Giuliano Locosselli, da equipe de Ceccantini, analisou os anéis dos troncos de duas espécies de jatobás – a de floresta, Hymenaea courbaril, a de cerrado, H. stigonocarpa – que viviam em uma mata no município de Matosinhos, a 80 quilômetros de Belo Horizonte.

A escolha do lugar foi casual: Ceccantini estava ali perto em um levantamento arqueológico quando soube que a mata seria derrubada, refez os planos para aproveitar o momento, conseguiu salvar 20 discos de jatobá e voltou feliz com a caça inesperada: “Lotamos nossa caminhonete”, recordou. A mais antiga das amostras, como viram depois, tinha 145 anos – do Morro do Diabo, uma reserva de mata atlântica no extremo oeste do estado de São Paulo, trouxeram uma amostra ainda mais antiga, com 190 anos.

As duas espécies responderam de modo diferente às variações do clima nas últimas cinco décadas. De acordo com as análises das larguras dos anéis, do calibre dos vasos condutores de seiva e da eficiência de uso da água, detalhadas em um estudo publicado em 2012 na revista Trees, a chuva tem um efeito pronunciado sobre o crescimento dos anéis e dos vasos condutores de seiva do jatobá-da-floresta, enquanto a temperatura parece ter uma influência maior sobre o crescimento da espécie do cerrado. Ambas apresentaram um ganho de eficiência no uso da água – já que reduziram a perda por transpiração, mas só as árvores com as menores taxas de crescimento –, sugerindo que essas espécies não respondem de modo proporcional ao aumento de concentração de CO2 na atmosfera.

“Vemos o aumento gradual de CO2 nos anéis, mas essas espécies de jatobá não crescem mais com mais CO2, como se esperava”, afirma Locosselli. Segundo ele, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, previsto para as próximas décadas, deve compensar o efeito da elevação da temperatura: “As árvores crescem menos se a temperatura sobe, porque tendem a perder mais água”. Outro trabalho de que participou indicou que o Podocarpus, um gênero de conífera hoje restrito a áreas de clima frio e úmido do sul do país, sobrevive em ilhas de vegetação do Morro do Chapéu, no norte da Bahia, crescendo menos de 1 milímetro por ano, sete vezes menos que as representantes da mesma espécie que vivem ao sul.

Locosselli pretende em outubro coletar jatobá, pela segunda vez, no Pará – essas amostras devem ajudar a rastrear variações na extensão das massas de ar vindas do Atlântico sobre a Amazônia. Desde agosto, quando começaram a trabalhar juntos, o grupo de São Paulo e o da Alemanha coletaram 120 amostras de jatobás, jequitibás e outras espécies no estado de São Paulo e de mais de uma centena de árvores de Goiás, Bahia, Rondônia e Pará, “incluindo três cabreúvas de cerca de 240 anos!”, ressalta Ceccantini. “Em dois anos, queremos chegar a 400 novas amostras.” A coleção de madeiras (xiloteca) sob sua responsabilidade tem 5 mil amostras catalogadas e 3 mil em fase de registro.

Uma das expedições de agosto, ao Parque Estadual Carlos Botelho, a 200 quilômetros da cidade de São Paulo, foi particularmente difícil, sob uma chuva contínua. “Não choveu muito”, recordou-se Locosselli, “mas foi o bastante para cada um de nós cair algumas vezes”. Tiveram de caminhar horas a fio até acharem outra árvore da mesma espécie que haviam coletado, atravessando terrenos escorregadios e ladeiras – a altitude ali varia de 50 a 800 metros – em meio a um inferno de trepadeiras. Pela primeira vez no Brasil, o geógrafo alemão Philipp Pitsch tomou muita chuva, viu as bromélias crescendo sobre uma diversidade imensa de árvores e com uma mistura de êxtase e medo concluiu que estava em uma autêntica selva.

“As florestas da Alemanha têm árvores de apenas duas ou três espécies”, ele se lembrou depois, no início da noite, no alojamento da reserva de Gália. Para ele o cansaço do fim do dia era intenso não só porque não estava acostumado a andar em florestas tropicais, mas também porque, por ter servido dois anos no Exército e ser um dos mais fortes do grupo, era o mais requisitado para carregar os discos de madeira e os equipamentos pesados.

“Era um lugar lindo”, assim Erika Righetto Ifanger lembrou-se da mata de Carlos Botelho, também pela primeira vez em uma floresta com um grupo de pesquisadores. “Sim, garoava todo dia, mas foi bom porque assim ninguém pegava carrapato e mosquito.” Escoteira dos 6 aos 21 anos, agora no último ano do curso de biologia, Erika usou uma motosserra em campo pela primeira vez na manhã de 12 de setembro, para cortar uma peroba-rosa, como a que Ceccantini tinha cortado no dia anterior.

Pouco antes, com um chapéu à Indiana Jones e vários instrumentos de trabalho presos em um cinto, Ceccantini tinha furado, à mão, com uma sonda especial, o tronco de uma figueira, que não tem anéis de crescimento, mas cuja idade ele pretende reconstruir por meio de isótopos de espécies vizinhas na mata.

Depois de cortar a madeira, Erika carregou os discos até a caminhonete estacionada em uma pequena estrada que corta a floresta de Caetetus, enquanto Philipp Pitsch, com um lenço azul na cabeça, perfurava uma árvore com uma das furadeiras, Hanz e Paula o ajudando porque o trilho de alumínio estava sendo usado por Stefan. “Aqui, o suor é garantido”, diz Ceccantini. “O mais difícil é depois do terceiro ou quarto dia, quando o corpo já está doendo e temos de continuar.” Em Caetetus há muito trabalho. Há cerca de 20 anos, de 2 mil a 3 mil árvores caíram por causa provavelmente de uma tempestade muito forte – e as que não apodreceram ainda são encontradas por toda a reserva.

Há também um bocado de gratidão. “Todas essas árvores grandes se devem a um só homem, Olavo Amaral Ferraz, que protegeu essa mata na fazenda dele, depois comprada pelo governo para criar a reserva”, reconhece Ceccantini. Locosselli pede para não esquecer os mateiros – Nelson Donizetti Correa e Antônio Crema, em Vassununga, Natanael Ozorio da Silva e Pedro Ozorio da Silva, em Carlos Botelho, e Sergio Aparecido Esborini, em Caetetus – que os acompanham na mata, ajudam a encontrar e identificar as árvores, escolhem os caminhos e alertam para os perigos de acidentes ou de animais venenosos que normalmente eles são os primeiros a ver.

“Em um dos dias em Carlos Botelho, nos perdemos de seu Pedro, um senhor de 62 que anda na mata mais rápido que qualquer um de nós, e passamos o dia inteiro para encontrar apenas uma árvore”, diz Locosselli. “Sem eles, não teríamos coletado nem a metade do que coletamos”.


VÍDEO DE REFERÊNCIA

       

Créditos do vídeo à FAPESP


Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.



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