A ocorrência do tubarão Carcharhinus longimanus tem diminuído no litoral paulista nas últimas décadas e, pela primeira vez, o agulhão da espécie Tetrapturus georgii foi identificado no Atlântico Sul.
Essas revelações fazem parte do relatório do projeto Análise de sequências do DNA mitocondrial para avaliação populacional e identificação molecular das espécies de peixes pelágicos de importância econômica desembarcados em São Paulo, realizado de 2010 a 2013 e apoiado pela FAPESP na modalidade Auxilio à Pesquisa Regular.
Durante dois anos, de 2010 a 2011, o então mestrando Rodrigo Rodrigues Domingues fez plantão nos terminais pesqueiros de Santos, no litoral paulista. Seu trabalho foi coletar pequenos pedaços de tecido de carcaças de tubarões do gênero Carcharhinus e de agulhões Tetrapturus capturados por embarcações industriais em todo o Sudeste e Sul do Brasil e identificá-los molecularmente. O estudante também mediu, pesou e identificou o sexo de cada animal para posterior estudo biológico pesqueiro.
“As carcaças são desembarcadas sem cabeça, vísceras e nadadeiras, que são retiradas ainda dentro dos barcos; o que sobra é o corpo principal, chamado de charuto”, disse o professor Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em São Paulo, coordenador da pesquisa. Esse processamento do pescado, iniciado ainda na embarcação, prejudica a identificação das espécies por características morfológicas, tornando as análises de DNA cruciais para esse levantamento.
Com amostras de 317 peixes, Domingues identificou as espécies e depois embarcou para a Flórida, nos Estados Unidos, para testar um protocolo de diferenciação específico para agulhões e tubarões, desenvolvido por um dos maiores especialistas mundiais na genética desses peixes, o professor Mahmood Shivji, do Oceanographic Center da Nova Southeastern University.
“Ele utilizou uma região chamada ITS-2 do DNA nuclear dos tubarões Carcharhinus para desenvolver marcadores moleculares para espécies diferentes”, explicou Domingues, que recebeu bolsa FAPESP durante o mestrado.
Os resultados puderam ser comparados a outro levantamento feito com os mesmos gêneros, entre 1974 e 1997, pelo pesquisador Alberto Ferreira de Amorim, do Instituto de Pesca (IP), em Santos. Trabalhando embarcado, o especialista analisava os animais antes de serem cortados e identificava as espécies morfologicamente. Ao todo, Amorim registrou 12 espécies de tubarões em suas incursões. Em comparação, a pesquisa da UMC, que também contou com a participação de Amorim, encontrou apenas quatro, todas do gênero Carcharhinus: C. falciformis e C. signatus, que formaram a imensa maioria capturada, e as espécies C. plumbeus e C. brachyurus, com um e dois exemplares capturados, respectivamente.
“Chamou-nos a atenção o fato de não termos encontrado nenhum C. longimanus, que fora a espécie mais abundante do trabalho de Amorim entre as décadas de 1970 e 1990”, afirmou Domingues, acrescentando que essa ausência corrobora outros estudos que indicam o declínio desse peixe em outros pontos do Atlântico.
Primeiro registro
Outro destaque da pesquisa foi o primeiro registro do agulhão Tetrapurus georgii em águas brasileiras. O peixe havia sido identificado no Mediterrâneo e na porção norte do Atlântico, mas nunca ao sul do Equador. “Por serem peixes migradores, capazes de percorrer enormes distâncias, sua presença era previsível no Atlântico Sul. Desconfiamos que o T. georgii, ou agulhão anão, possa ter sido constantemente confundido com o T. albidus, conhecido como agulhão branco e com o agulhão verde, T.pfluegeri”, disse Hilsdorf. O trabalho do estudante recebeu uma menção honrosa no Simpósio de Citogenética e Genética de Peixes, realizado em 2011 no município de São Pedro (SP).
A confusão, provocada pelas semelhanças morfológicas entre as espécies, levanta um problema sério para a gestão da pesca: como saber quais peixes são mais abundantes e quais devem ter a pressão de pesca aliviada para que as populações possam se recuperar? “Isso só será possível se conseguirmos identificar as espécies capturada, todavia, uma vez no barco, todos viram agulhões ou cações, no caso dos tubarões, independente da espécie. Esse quadro só mudará se metodologias moleculares para identificação de espécies forem implantadas para monitorar o desembarque de pescado”, responde Domingues.
Pesquisas como essa ajudam a pautar determinações emitidas pelos órgãos de controle pesqueiro, como a International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas (ICCAT), da qual o Brasil é signatário. “Como os peixes migradores percorrem distâncias imensas e cruzam fronteiras, são necessárias instâncias internacionais para gerenciar a pesca”, afirmou Domingues. Uma das medidas já tomadas pela ICCAT foi a proibição da pesca do C. longimanus em 2011.
Em razão da falta de acurácia na identificação dos peixes, os órgãos que elaboram as estatísticas de captura costumam agrupar mais de uma espécie em um mesmo nome comum. “Isso traz sérias implicações para o manejo e a conservação das espécies, pois as medidas protecionistas devem ser feitas por espécie, uma vez que cada uma responde de modo diferente à pressão exercida pela pesca”, comentou o estudante.
Chamados pelágicos, por habitarem as camadas até 200 metros abaixo da superfície, agulhões e alguns tubarões possuem um papel importante na regulação do ecossistema marinho. Eles estão no topo da cadeia alimentar e a redução de suas populações provoca um desequilíbrio brutal em toda a fauna aquática que se encontra abaixo deles nessa cadeia.
Hilsdorf explica que as populações de tubarões e agulhões são alvo das indústrias pesqueiras brasileiras e internacionais e sofrem uma pressão pesqueira sem o devido controle. No caso dos tubarões, a pressão é aumentada por causa das barbatanas, valorizada como iguaria em alguns países asiáticos.
Agora com uma bolsa de doutorado FAPESP, Domingues pretende ampliar o estudo com avaliações genético populacionais das espécies C. falciformes e C. signatus ao longo do Atlântico. O DNA das amostras coletadas em seu mestrado, comparado com outras de diferentes localidades, propiciará um quadro mais completo da variabilidade genética dentro e entre populações, podendo gerar conhecimento para um melhor manejo pesqueiro dessas duas espécies. “O velho chavão da pesquisa se faz válido: é preciso conhecer para preservar”, disse.
Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo..
Tópico elaborado pelo Gestor Ambiental Marcelo GiL.
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